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A Terra Também Cansa: Crônicas de um Mundo Exausto

A Terra também cansa. E, sinceramente, não sei por que ainda fingimos surpresa. Vivemos como se o planeta tivesse a obrigação de tolerar nossos excessos, como se a natureza fosse uma mãe paciente que nunca perde a paciência. Mas, como toda mãe, ela também chega ao limite — e o limite dela está cada vez mais visível.

A sensação de exaustão do mundo não aparece só nas enchentes, nos recordes de calor ou nas queimadas que já nem chocam mais. Aparece também na nossa própria exaustão. Estamos cansados de correr atrás de coisas que não precisamos, de consumir novidades que envelhecem em minutos, de fingir um futuro que talvez não exista. A crise ambiental é, antes de tudo, um espelho: não mostra só o planeta adoecendo, mostra uma civilização inteira perdendo o fôlego.

Quando vejo tartarugas tentando sobreviver em praias cercadas por plástico, percebo que a metáfora é quase grosseira de tão óbvia: elas tentam voltar para casa, enquanto nós destruímos o caminho. Preservar a vida virou ato de resistência — e não deveria ser. O mais cruel da crise climática é que ela não exige nada extraordinário da gente. Exige o básico: responsabilidade, consciência, humanidade.

Mas vivemos numa era que celebra o ter. Ter mais coisas, mais likes, mais seguidores, mais velocidade, mais lucro. E essa compulsão por acúmulo custa caro. Uma sociedade que só sabe ter não sabe cuidar. Não sabe frear. Não sabe renunciar. E cuidar do planeta é, acima de tudo, uma renúncia. É dizer “não” ao conforto imediato, ao plástico conveniente, ao consumo automático. É escolher ser — e não apenas ter.

A verdade é que o planeta dá sinais há décadas, e nós respondemos com silêncio, desinteresse e políticas paliativas. A emergência climática não é previsão: é rotina. Já não é o futuro que está ameaçado — é o presente que está ruindo. As cidades alagam, o ar aperta, o solo racha, as espécies somem. E nós seguimos vivendo como se a catástrofe fosse um item de tragédia estrangeira transmitida no jornal da noite.

O mundo cansa porque nós cansamos os mundos dentro de nós.

Talvez a pergunta mais urgente não seja “o que está acontecendo com o planeta?”, mas: o que está acontecendo conosco? Por que é tão difícil acreditar que somos parte da natureza e não seus donos? Por que insistimos em viver como se a Terra fosse um recurso infinito, e não um organismo vivo? Para mim, a resposta é simples e brutal: desaprendemos a enxergar valor onde não há preço.

A crise ambiental é, no fundo, uma crise moral. Uma crise de sentido. Uma crise de identidade. E, enquanto não encararmos isso, nenhuma conferência internacional, nenhum acordo climático, nenhum discurso emocionado vai resolver o essencial: estamos nos destruindo enquanto destruímos o planeta.

A Terra também cansa — mas ainda respira. Ainda espera. Ainda tenta. E talvez o maior ato de amor que possamos praticar hoje seja o de devolver a ela o cuidado que ela nos deu durante séculos. É tardio? Talvez. É impossível? Não.

Mas exige algo raro na nossa era: abandonar a indiferença. E compreender, enfim, que a Terra não está pedindo nada extraordinário. Só está pedindo para viver.



SABINO, José. Pantanal, rio, natureza. Fotografia, s.d. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/pantanal-rio-natureza-panorama-5379257/. Acesso em: 27 nov. 2025.
SABINO, José. Pantanal, rio, natureza. Fotografia, s.d. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/pantanal-rio-natureza-panorama-5379257/. Acesso em: 27 nov. 2025.

 
 
 

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1 comentário


Jaque
Jaque
26 de nov.

Com certeza uma das maiores tragédias atuais, a morte lenta do nosso próprio lar. É tão triste ver tudo isso, tão exaustivo. Toda mãe precisa de um descanso.

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